quinta-feira, 5 de março de 2015

Onde foi parar o amor?





Nos anos 1920, Olinda Miranda, irmã da famosa Carmen Miranda, era apaixonada pelo seu noivo. Um dia descobriu que ele andava namorando outras meninas pela cidade e teve um desgosto tão profundo que adoeceu. Ficou tísica e seus pais a enviaram para Portugal para se tratar num sanatório.


Olinda não melhorou em terras lusitanas. A depressão tomara conta dela e não conseguia esquecer seu noivo. Mas eis que, subitamente, o dito cujo aparece pedindo perdão e uma nova chance. Olinda aceitou, saiu da depressão e começou a melhorar a olhos vistos. Recuperou a alegria de viver. Passados uns meses, novas notícias chegaram aos seus ouvidos: o rapaz era um mulherengo contumaz e era visto novamente ao lado de outras saias. Olinda definhou de vez e morreu de tuberculose pouco tempo depois.


Histórias como essas pululavam em qualquer esquina. Os jornais volta e meia noticiavam que alguém pulou da ponte por que seu amor a abandonara. Morria-se de amor.


Evidentemente que pular da ponte não é o caminho correto, mas há um quê de compreensão, de compaixão, ao perceber que a pessoa amava de veras. Em contraste, comecei a presenciar inúmeras cenas como esta:



Aluno: Professor, queria pedir uma opinião.





Professor: Se puder ajudar...


Aluno: Pintou um intercâmbio interessante na Inglaterra. São seis meses estudando e com tempo para estagiar na própria universidade. Acha que vale a pena?


Professor: E a sua namorada?


Aluno: Ah professor! Ela está em um estágio que toma o tempo todo dela.



Não consegui prosseguir. Silêncio. Perplexidade. Vem-me a cabeça uma série de perguntas: Será que gosta dela? Será que ela gosta dele? Porque namoram? Somos intercambiáveis (há outras opções por aí)? Será que largamos a tuberculose e o suicídio pela indiferença mais pura?


Vejamos outro exemplo. Este é um homem de 55 anos, altamente qualificado, divorciado e pai de uma criança. Durante uma entrevista, ele falou sobre seus vários relacionamentos.

Entrevistador: Por que você sai com mulheres?


Steven: Em parte por conformidade. Eu quero ter uma parceira, mas tem que ser algo temporário, limitado, duas vezes por semana e é isso. Isso é suficiente para mim, eu não preciso de mais nada disso. Relacionamento é um fardo. Tenho toneladas de pessoas com que poderia sair, mas eu não tenho tempo. Porque eu preciso de um relacionamento sério agora?


Entrevistador: Você acha que isso é algo que acontece com as mulheres também?


Steven: Não. Nunca foi simétrico. Elas sempre querem mais. Por que, eu não sei.


Entrevistador: O que querem?


Steven: Mais contato, mais compromisso. Querem compartilhar conta bancária, casa, livros, cama. As mulheres querem mais do que eu posso dar. Sempre que terminei com alguém foi porque não podia oferecer o que me pediam.


Entrevistador: Você acha bom que elas querem mais do que você quer a elas?


Steven: Sim. Dá uma sensação de poder. Quem é mais desejado tem mais poder.


Entrevistador: É isso que você quer? Poder?


Steven: Talvez. Mas eu não sei se é algo consciente ou calculado.


Será que o amor acabou? Mudou? Confesso que não tenho o quebra-cabeça resolvido, mas a leitura de alguns livros apontaram algumas possíveis explicações.


1. As pessoas ditas “modernas”, isto é, vivem no Ocidente, instruídas, com renda, antenadas, esperam intimidade e emoção do parceiro, e, paradoxalmente, um comportamento independente. Em um relacionamento moderno, encontramos dois “eus” altamente individualistas que se unem. Tenho minha carreira, meu projeto, meus gostos. Não se meta com eles. Tenha a civilidade de apenas colaborar quando chamado.

2. A mudança de critério para escolher um parceiro. No passado havia uma série de regras sociais, raciais, religiosas, etc. Um homem escolhia alguém da sua religião ou da sua condição para casar. A modernidade derrubou todas essas barreiras. Vale tudo. O processo de seleção se tornou sexual, emotivo e psicológico, isto é, puramente subjetivo. Atração e simpatia é tudo o que restou. Uma mulher de classe média alta na Inglaterra conta que se casou aos 31 anos e descobriu 18 meses depois que seu marido não queria ter filhos. O que os unia era apenas atração e simpatia: os valores do parceiro e dela nunca entraram no relacionamento.

3. Sem as regras sociais e morais e com a ajuda da pílula, o homem tem agora muitas mulheres para escolher e tem muito tempo antes de se comprometer com alguma. A maximização da liberdade e independência levou-o a evitar o compromisso. Porque o aluno vai perder a oportunidade de viver na Inglaterra se em cada esquina há uma menina o esperando? Porque a aluna vai mudar de estágio, se em cada esquina tem um homem a desejando? O status do homem e da mulher moderna estão na sua experiência profissional e não mais em ter família e filhos. A primeira coisa que se pergunta quando se esbarra com um velho conhecido na rua é onde está trabalhando. Ser desempregado é pior do que ser divorciado.

4. A mentalidade do mercado penetrou nas relações amorosas. Fala-se em conquista, em número de parceiros. E se troca de parceiros como quem troca de automóvel ou de roupa. A escritora Greta Christina relata sua experiência sexual da seguinte forma: "Quando eu comecei a ter relações sexuais com outras pessoas, eu gostava de contabilizar. Eu queria saber com quantos dormira. Era uma fonte de um tipo de orgulho". Ela se comporta como capitalista sexual. Esta estratégia sexual cumulativa tem sido adotada pelas mulheres, mas, culturalmente e historicamente, é uma imitação do comportamento dos homens.

5. No século XIX a mulher atraente era a mulher bonita, não devido ao apelo sexual, mas aos atributos físicos e espirituais. A indústria de cosméticos no início do século XX transformou a beleza da mulher em sensualidade com o fim de vender seus produtos. A cultura do consumo se mostrou imensamente bem sucedida na tarefa de dispensar as normas e proibições sexuais tradicionais e na sexualização dos corpos porque contou com a autoridade e legitimidade de especialistas que vieram das fileiras da psicanálise e da psicologia. Uma vasta indústria de psicólogos alegou que uma boa vida sexual era crucial para o bem-estar do indivíduo. A sexualidade veio para ficar no centro do projeto de uma vida feliz e saudável. Esta mensagem da psicologia tornou-se particularmente amplificada com a revolução cultural e sexual a partir dos anos 1960 em diante. Ora o campo sexual suplantou o campo romântico. Romance tornou-se algo cafona e ridículo para os jovens. Foram educados para não dar o coração. A frieza e a distância que constato nos alunos vêm dessa deseducação para amar. A pessoa torna-se menos vulnerável às decepções de um relacionamento, mas também não consegue conectar, criar laços e sentir a plenitude da vida.

6. Antes o amor era algo sagrado, mágico, incomensurável, abarcando toda a vida. O modelo moderno exigiu que o amor se alinhe ao bem-estar e a felicidade, isto é, rejeitou o sofrimento. Esse modelo coloca o auto-interesse no centro. A experiência emocional do amor contém cada vez mais um projeto utilitarista, onde se deve garantir o máximo de prazer e bem-estar. Se surge o sofrimento, entende-se que houve um erro, uma avaliação equivocada da compatibilidade de duas pessoas.
7. Se a paixão parece um tanto ridícula para a maioria dos homens e das mulheres, o amor de muitas formas é mais crucial do que nunca. Não para amar alguém, mas para sentir que é amado. O amor tornou-se uma muleta para a autoestima. Se algo falha, se há dor, vamos ao psicólogo, ao site pedir consulta, vamos afagar um gatinho no colo, vamos a primeira pessoa que nos der consolo.

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